Modo de produção

Henrique Magalhães

Fontes

Existe ao menos duas maneiras de se conseguir informações para a edição do fanzine: por meio de fontes bibliográficas, como revistas, jornais, livros e atualmente internet; pelo acesso às fontes inéditas, que são as entrevistas, conversas com personalidades, arquivos particulares, correspondências e produções originais cedidas pelos autores. Para a fundamentação de artigos e pesquisas, é importante que se tenha um bom acervo com tudo o que circula sobre o tema escolhido.

A coleta do material é uma das fases mais trabalho­sas da produção do fanzine. Muitas pessoas que poderiam colaborar com artigos, quadrinhos ou ilustrações já possuem seu próprio fanzine e não têm tempo e interesse em participar de outros. A pesquisa sobre coleções de revistas exige tempo, paciência e um trabalho minucioso na busca de informações espalhadas por dezenas ou até centenas de publicações.

Quanto maior o ineditismo do material publicado no fanzine, mais valor terá para o público, ansioso por novas informações. Em geral o fanzine é uma publicação opinativa e pouco noticiosa. Como sua publicação depende de vários fatores, inclusive de largo tempo, as notícias tendem a ficar defasadas quando publicadas no fanzine. Contudo, há fanzine que tem sua força exatamente na republicação de conteúdo, fazendo algo como um clipping de matérias publicadas em jornais. Esse tipo de fanzine é importante por recolher informações dispersas sobre um mesmo tema, fazendo uma espécie de dossiê, que é muito útil para novas investigações.

Seleção do material

Feita a pesquisa ou coleta do material é preciso se­lecionar o que vai ser publicado. Convém planejar o fanzine com coerência e uniformidade, embora muitos editores optem justamente pela mistura desordenada como estilo para sua publicação. Alguns fanzines de quadrinhos são verdadeiros inventários sobre a trajetória de publicações como a revista Gibi ou o Suplemento Juvenil, ou sobre personagens, como Fantasma, Spirit, O Amigo da Onça, entre outros, que já mereceram edições especiais.

A publicação de material inédito exige certo cuidado. É recomendável que se use ­cópias e não os trabalhos originais, de modo a não se colocar em risco as obras dos autores. Com a facilidade de transmissão de dados pela internet, a maioria dos autores não envia mais cópias impressas, mas em arquivos digitais.

Composição e ilustração

A composição do fanzine é feita em computador, utilizando-se qualquer programa gráfico que se tenha à disposição, a exemplo do Adobe InDesign; raramente se encontra algum feito em máquina datilográfica, como era comum nas décadas de 1970 e 1980.

Antigamente as ilustrações passavam pelo pro­cesso de redução ou ampliação em fotocopiadoras, de acordo com o espaço que iriam ocupar nas páginas. Para a editoração eletrônica, pode-se copiar as imagens com o auxílio de um scanner e inseri-las nas páginas, reduzindo-as ou ampliando-as com facilidade e de acordo com a necessidade.

Paginação

Há bem pouco tempo, os fanzines eram feitos com colagens, com a distribuição dos textos e ilustrações pelas páginas. Este procedimento era chamado de paginação. Com a editoração eletrônica, feita com programas de computador, o processo tornou-se muito mais dinâmico e limpo.

Para a paginação ou a editoração eletrônica, é recomendável ter um projeto da publicação ou diagramação – divisão das páginas em duas ou três colunas, espaço para títulos e ilustrações, escolha da tipologia etc. – e programar uma boneca da publicação, que é um esboço de como deverá ser a edição, onde se define o número de páginas e o espaço a ser ocupado por cada matéria.

Impressão

A maioria dos fanzines é impressa em foto­cópias. Ao contrário dos mimeógrafos, esse tipo de impressão, além de ser relativamente ba­rato, possibilita a utilização de fotos e ilustrações. Também são feitos fanzines em impressoras offset de mesa, que nem sempre alcançam a qualidade das boas fotocopiadoras.

A escolha do processo de impressão tem relação com a tiragem e o custo da publicação. Para as pequenas tiragens, a fotocópia é o recurso ideal. A impressão offset só se torna viável para as grandes tiragens, que possibilitam a redução do custo unitário da publicação. Alguns editores recorrem a duplicadoras, que são as substitutas do mimeógrafo eletrônico. O custo de impressão delas é baixo, mas a qualidade nem sempre se equipara aos outros tipos de impressão.

Há também a possibilidade de impressão em impressoras laser, que oferecem cópias de excelente qualidade e baixo custo. Por outro lado, as “gráficas rápidas” estão cada vez mais difundidas no país, oferecendo um custo razoável para quem pretende fazer pequenas tiragens.

Intercalação

O fanzine tem sua produção quase sempre artesanal. A intercalação, ou encadernação das folhas para formar a brochura, é feita também pelo editor. Depois da intercalação, o grampo é colocado no dorso do fanzine – no caso do for­mato ofício – ou a cavalo, quando a folha é do­brada ao meio.

É raro que os fanzines apresentem corte de acabamento, o chamado refilamento. A maioria tem seu formato determinado pelo processo de impressão – na fotocópia, o formato ofício ou A4. Quando o editor faz cortes é porque planejou um formato diferenciado para o fanzine.

Distribuição e venda

Os fanzines podem ser vendidos ou distribuídos em livrarias especializa­das, feiras, shows ou ex­posições. Mas o principal meio de circulação e venda é pela via postal, que faz com que eles alcancem todo o país e mesmo outros cantos do mundo. Para os que são produzi­dos nas pequenas cidades, os Correios e a venda de mão em mão são as únicas opções. Para tanto, é importante a organização de uma agenda com o endereço de leitores, que se pode obter por intermédio de outras publicações e editores.

Divulgação

Os melhores difusores dos fanzines são os próprios fanzines. As dificuldades de divulgação na grande imprensa e o objetivo compartilhado por todos os editores fazem com que eles sejam solidários entre si e abram espaço no fanzine para o anúncio de outras publicações congêneres.

Cabe aos editores aproveitar o eventual espaço de informações aberto pelas revistas e jornais do mercado, considerando ainda que a seção de cartas dessas publicações é um bom local para o anúncio de novas edições. Por intermédio das revistas comerciais é possível ampliar o público, atingindo leitores que se encontram fora do circuito independente.

A internet, com várias possibilidades de interação, tornou-se um poderoso meio de difusão dos fanzines. Uma boa lista de email, o perfil em redes sociais, a criação de blogs e sítios são fundamentais para se obter uma comunicação imediata com o leitor e ampla divulgação do fanzine.

Referência

MAGALHÃES, Henrique. O rebuliço apaixonante dos fanzines. Série Quiosque, 27, 2a. ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2011.

Arquivo de texto: Modo de produção-texto
Slides: Modo de produção-slides

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Fanzines e HQtrônicas – Programa

Professor: Henrique Magalhães
Período: 2017.1
Código: 1414081
Créditos: 4 (60 horas/aula)
Horário: Quinta-feira, 8h-11h30

Ementa

Os fanzines como mídia independente; gêneros de fanzines e sua diversidade expressiva; a mutação dos fanzines para as mídias digitais: os e-zines; HQtrônicas: Histórias em Quadrinhos em mídias digitais, projetos em mídias digitais.

Objetivos

Definir fanzine e explorar suas diversas formas de apresentação e modos de produção; analisar as Histórias em Quadrinhos digitais.
Traçar a trajetória dos fanzines com ênfase na produção nacional.
Apresentar o fanzine como forma de comunicação dirigida, independente e autoral que possibilita a liberdade de expressão e intermediação comunitária.
Mostrar a diversidade expressiva do fanzine em sua apresentação gráfica e textual.
Estimular o processo criativo e a produção de fanzine impresso e digital.
Propor o estudo sobre adaptações das Histórias em Quadrinhos para os meios digitais observando o conceito de HQtrônicas e outros processos experimentais.

Metodologia

Aulas expositivas com apresentação audiovisual (slide, vídeo). Leitura e análise de textos complementares ao conteúdo programático. Produção textual e editorial de fanzines impressos e eletrônicos.

Habilidades e competências

Pretende-se desenvolver a capacidade de planejamento e realização editorial com ênfase na criação de texto, projetos gráficos, composição, editoração e montagem de publicações. A adaptação da mídia impressa para a digital, suas possibilidades e dificuldades serão postas em questão para a resolução dos alunos. Processos de pós-produção: divulgação e circulação da publicação.

Avaliação

Serão aplicados três exercícios para avaliação, um no final de cada unidade. Cada exercício valerá até 10 pontos, sendo a nota final a média dos três. O primeiro exercício será individual, os demais serão em dupla ou grupo de até quatro pessoas.

Exercício 1 (individual): Edição de um “biograficzine”: publicação voltada para si, sua vivência e afinidades pessoais e culturais.

Exercício 2 (dupla ou grupo): Edição de fanzine de ao menos 16 páginas no formato A5. Estratégia de difusão.

Exercício 3 (dupla ou grupo): Adaptação do fanzine impresso para o formato digital.

Programa

Unidade 1
Apresentação e discussão do programa. Definição e origem de fanzine. Desenvolvimento dos fanzines no Brasil. Revistas alternativas. Expansão e crise dos fanzines. Perspectivas dos fanzines e sua produção atual. Biograficzine.

Unidade 2
Gêneros de fanzine. Expressões gráfico-textuais do fanzine. Modo de produção: a escolha do sujeito; formas de impressão (mimeógrafo, fotocópia, impressão à laser); projeto gráfico; editoração; manufatura e acabamento; estratégias de difusão.

Unidade 3
Ezine: definição. Adaptação do fanzine impresso para o ezine utilizando os recursos das mídias digitais. A linguagem da História em Quadrinhos. HQtrônicas: a obra de Edgar Franco. Charge e cartum animados. Outras experimentações com quadrinhos digitais.

Referências

ANDRAUS, Gazy. O fanzine de HQ, importante veículo de comunicação alternativa imagético-informacional: sua gênese e seus gêneros (e a influência do mangá). In LUYTEN, Sonia M. B. (org.). Cultura pop japonesa. São Paulo: Hedra, 2005.

AZEVEDO DA FONSECA, André e VARGAS, Raul Hernando Osório. O uso do fanzine como estímulo à produção de texto jornalístico. Disponível em

http://www.fnpj.org.br/soac/ocs/viewpaper.php?id=509&cf=18, acessado em 19/07/2107.

BARREIROS, Bruna Provazi. A Revolução (ainda) não será virtualizada: os fanzines feministas na Era da Comunicação Digital. Disponível em

http://www.petfacom.ufjf.br/wordpress/arquivos/artigos/revolucaonaovirtualizada.pdf, acessado em 17/12/10 (indisponível, em 19/07/2017).

BUSANELLO, William de Lima. Fanzine como obra de arte: da subversão ao caos. Série Quiosque, 40. Marca de Fantasia, 2015. 60p.

FRANCO, Edgar Silveira. HQtrônicas: do suporte papel à rede Internet. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2004.

GONÇALO Junior. O inventor do fanzine: um perfil de Edson Rontani. Série Quiosque, 41. Marca de Fantasia, 2015. 112p.

GUIMARÃES, Edgard. Fanzine. Série Quiosque, 2, 3ª ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2005.

LUIZ, Lúcio. A expansão da cultura participatória no ciberespaço: fanzines, fan fictions, fan films e a “cultura de fã”. http://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/31109804/Lucio_Luiz.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAIWOWYYGZ2Y53UL3A&Expires=1500496828&Signature=2HUMYNnoccSJYFcKYfjwQI%2Bb2uE%3D&response-content-disposition=inline%3B%20filename%3DA_expansao_da_cultura_participatoria_no.pdf. Indisponível em 19/07/2017.

MAGALHÃES, Henrique. A mutação radical dos fanzines. Série Quiosque n. 9. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2005.

MAGALHÃES, Henrique. A nova onda dos fanzines. Série Quiosque n. 7. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2004.

MAGALHÃES, Henrique. O rebuliço apaixonante dos fanzines. Série Quiosque, 27, 3a ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2013.

MUNIZ, Cellina. Fanzines: autoria, subjetividade e invenção de si. Fortaleza: Edições UFC. 2010.

OLIVEIRA, Antônio Carlos de. Os fanzines contam uma história sobre punks. São Paulo: Editora Achiamé, 2006.

PINTO, Renato Donizete. Fanzine na Educação: algumas experiências em sala de aula. Série Quiosque, 29. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2013.

SANTOS NETO, Elydio dos. Os quadrinhos poético-filosóficos de Edgar Franco: textos, HQs e entrevistas. Série Quadrinhos Poético-filosóficos, n. 1. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2012.

SNO, Márcio. O universo paralelo dos zines. São Paulo: Editora Timo, 2015, 120p.

UTESCHER, Douglas & LEANDRO, Márcio. 1o Anuário de Fanzines, Zines e Publicações Alternativas. São Paulo: Ugra Press, 2011.

UTESCHER, Douglas. 2ADFZPA – 2o anuário de fanzines, zines e publicações alternativas. São Paulo: Ugra Press, abril de 2012.

UTESCHER, Douglas. 3ADFZPA – Terceiro anuário de fanzines, zines e publicações alternativas. São Paulo: Ugra Press, 2013.

Outras referências

http://bibliotecadefanzines.blogspot.com/ (fanzines argentinos), acessado em 19/07/2017.

http://esputinique.wordpress.com/ (Fernanda Meireles), acessado em 19/07/2017.

http://www.fanzinada.com.br/ (indisponível), acessado em 19/07/2017.

http://www.fanzinotecamutacao.blogspot.com/ (acessado em 19/07/2017.

http://www.mediafire.com/?yamuq6bbo73xcbb (1o. Anuário de Fanzines, Zines e Publicações Alternativas), acessado em 19/07/2017.

http://ugrapress.wordpress.com/ (Douglas e Daniela Utescher), acessado em 19/07/2017.

http://zinescopio.wordpress.com/ (Jamer Mello), acessado em 19/07/2017.

http://zinismo.blogspot.com/, acessado em 19/07/2017.

http://www.marcadefantasia.com

http://www.memorialhqpb.org

 

Blog da disciplina: www.fanzinesehqtronicas.wordpress.com

Email da disciplina: henriquemagalhães.ufpb@gmail.com

Arquivo digital: Programa

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Elementos do fanzine

Henrique Magalhães 

O fanzine muitas vezes se caracteriza pela informalidade, pelo modo espontâneo e pessoal com o qual se expressa o editor. Dessa maneira, a primeira ideia que se tem ao se folhear um fanzine é que, por sua simplicidade, qual­quer pessoa pode fazer o seu, bastando para isso ter interesse, ser fanático por alguma arte ou hobby ou ter guardada uma coleção de gibis. Na verdade, é isso mesmo: o processo de produção de um fanzine depende só da boa vontade de seu editor. Mas, se aparentemente é muito fácil fazer um fanzine, a produção de um fanzine mais elaborado exige muita dedicação e uma razoável compreensão do processo editorial, que envolve várias etapas, desde a coleta do material até a divulgação e distribuição.

Por realizar um trabalho tão personalizado, o editor de fanzine acaba por dominar todas as etapas de produção: juntar seus artigos e os de colaboradores, digitar os textos, digitalizar as ilustrações ou reproduzi-las em fotocopiadora, diagramar, paginar, imprimir, intercalar as folhas, grampear, divulgar e distribuir. Quando o fanzine resulta de um trabalho de grupo, de modo geral não há divisão rígida de tarefas, como nas publicações comerciais. No grupo, é comum que todos dominem as várias fases da produção. E aqui não falamos dos pequenos folhetos, que acabam sendo a maior parte dessas publicações, mas dos fanzines que se assemelham, no aspecto gráfico e editorial, às revistas especializadas profissionais.

Apesar de serem publicações amadoras e de alcance restrito, algumas referências são muito importantes para identificar o fanzine, como o nome dos responsáveis, o número, a data, o endereço, a lista dos colaboradores. Pode-se acrescentar ainda o tipo de impressão e o número de exemplares. Esses dados são essenciais quando se têm os fanzines como fonte de pesquisa e documentação. Como lembra Fernando Vieira, seus responsáveis tenham consciência ou não, cada fanzine que sai é um documento e, como tal, convém personalizar suas características[1].

Escolha do tema

O primeiro passo para se fazer um fanzine é escolher o assunto que se quer abordar: música, quadrinhos, cinema, ficção científica etc. Dentro do tema escolhido, convém definir o enfoque a ser trabalhado. Para os quadrinhos, pode-se trabalhar com autores brasileiros, super-herói, humor, série, personagem ou vários ao mesmo tempo. Como a edição não tem fins lucrativos, cujo objetivo é a troca de informações e a ampliação do universo de estudo, é importante escolher um gênero pelo qual se tenha verdadeiro interesse, de modo que não seja um sacrifício o tempo e o dinheiro empregados em sua elaboração.

É importante que se tenha domínio sobre o assunto escolhido e acesso a informação. Se o gênero que se vai trabalhar é nostalgia dos quadrinhos, uma boa coleção de revistas antigas torna-se imprescindível, bem como o conheci­mento sobre as publicações que circularam em décadas passa­das. Em geral, os que buscam esse gênero são aqueles que viveram o período em estudo, dando aos fanzines o tom emocional que os tem caracterizado. É comum para os jovens editores trabalhar com os quadrinhos da atualidade, publicando a obra de novos artistas e fazendo a análise das publicações do mercado.

O público

O editor de fanzine estabelece a relação com seu público principalmente por intermédio da seção de cartas, mas também por meio da troca e venda de publicações. Boa parte do público é formada por editores de outros fanzines. Muitos trocam fanzines entre si, numa espécie de camaradagem própria ao meio. No entanto, esta prática tem se tornado cada vez mais rara devido à disparidade e irregularidade das publicações.

É comum que o leitor passe a ser também colaborador do fanzine, enviando material para ser publicado, como artigos, quadrinhos, poesias, contos, ilustrações. As co­laborações são gratuitas, visto que os fanzines não têm fins lucrativos e são um espaço para a divulgação de novos autores. Para o público, é importante saber que pode intervir no fanzine e é essa participação que dá muitas vezes vida à publicação. Dessa forma, é importante estimular os leitores solicitando o envio de cartas e todo tipo de colaboração.

A opinião do público será sempre um fator essencial na produção do fanzine. É muito gratificante saber que o fanzine está sendo apreciado pelos leitores. Para Edgard Guimarães, “esses leitores é que mantêm o ânimo dos editores para continuarem suas revistas. São uma parcela mínima da população, que valorizam os quadrinhos, especialmente os nacionais, e que, normalmente, são generosos nas apreciações que fazem de nosso trabalho”[2]. A seção de cartas dos fanzines é também o espaço de comunicação entre os leitores, onde as divergências de opinião podem, por vezes, gerar polêmicas estimulantes.

Formato

A maior parte dos fanzines tem seu formato condicionado ao pro­cesso de impressão. Como é comum o uso de fotocópias, os fanzines podem apresentar o formato ofício (21,6cm x 33cm), ou o meio-ofício (16,5cm x 21,6cm), com a folha dobrada ao meio; ou ainda o formato A4 (21×29,7cm) ou o formato A5 (14,8x21cm), com a folha dobrada ao meio. Em geral, eles são impressos no sentido vertical do papel, porém o prestigiado fanzine Historieta destacou-se também pela utilização do sentido horizontal. Alguns fanzines não apresentam formato fixo, variando a cada edição, cujo exemplo mais marcante foi O Pica-Pau.

A discussão sobre o formato atingiu, em particular, as editoras comerciais, que produziam a maior parte de suas publicações no questionado formatinho (13,5x19cm). A redução do formato original estadunidense para o formatinho trouxe muito prejuízo para a leitura visual dos quadrinhos contemporâneos, ricos em cores e de­talhes. Mas, para os fanzines, há quem defenda o formato meio-ofício por facilitar a intercalação, pelo alinhamento que o grampo, colocado no meio da folha, dá à publicação e pela facilidade de guardá-los. A principal razão alegada, no entanto, é a econômica.

Cesar Ricardo, do fanzine Hiperespaço, dá a receita: “produz-se as matrizes no tamanho ofício, faz-se a redução das páginas inteiras, monta-se duas a duas de acordo com a paginação e xeroca-se normal­mente; o custo de pré-produção sobe, mas o da cópia cai à metade. Se a tiragem for alta, vale a pena e não se perde texto. Se for baixa, fica o mesmo preço”[3].

Volume

O número de páginas do fanzine depende do tema escolhido, da quantidade de material disponível, do tempo livre do editor e do custo de produção. Há temas que rendem mais informações, como o voltado para a produção comercial de super-herói. Para este, o próprio mercado é uma fonte perene e inesgotável de informações, fornecendo desde relatos dos bastidores das criações até as especulações sobre o destino de determinados personagens ou grupos de heróis. A adaptação dos quadrinhos ao cinema também pode gerar muitas laudas de discussão. Para os temas que não oferecem um fluxo grande de informações, a saída para se ter um fanzine mais volumoso é aumentar o período de produção, estabelecendo uma periodicidade mais longa.

Alguns editores procuram fixar um número de páginas do fanzine, mas quase sempre aumentam ou reduzem a cota estipulada. Há casos em que são publica­dos verdadeiros álbuns, com dezenas de páginas, enquanto outros não passam de uma ou duas folhas. A maioria não alcança duas dúzias de páginas. Como tudo o mais nos fanzines, não há regra para o volume, depende de cada editor e de cada edição.

Periodicidade

Para qualquer publicação, a periodicidade é um elemento importante para garantir a fidelidade do público, seja profissional ou amadora, todavia, no que se refere aos fanzines, raramente ela é mantida. Com exceção dos fanzines de nostalgia, cuja regularidade é admirável, quase todos atrasam meses, ou anos, dando a impressão de que deixaram de existir.

Esse descompromisso com a periodicidade prejudica a continuidade editorial do fanzine. Cada nova edição acaba sendo um recomeço, em vez de seu desenvolvimento. Os que saem de forma periódica costumam faze-lo de três a quatro vezes ao ano, espaço de tempo suficiente para a elaboração de uma nova edição. Mas, como se trata de um empreendimento amador, onde não se há que seguir as regras do mercado, há certa complacência do público com instabilidade temporal do fanzine, que é compensada pela espontaneidade com que ele é feito.

Tiragem

A tiragem do fanzine pode variar de poucas dezenas de exemplares a centenas, de acordo com o número de leitores. O mais comum é que se tire 50 a 100 exemplares, mas alguns fanzines alcançaram tiragens bem maiores: Historieta, de Oscar Kern, chegou a sair com 2 mil exemplares; Notícias dos Quadrinhos, de Eduardo Ofeliano, começou com 3 mil exemplares e caiu para mil; a tiragem de Quadrix, de Worney de Souza, aumentou progressivamente – começou com duzentos e chegou a 450 exemplares[4].

Valdir Dâmaso, editor de Jornal da Gibizada, afirma que um fanzine pode ter apenas um exemplar, simplesmente para o deleite de seu criador e pela satisfação de mostrá-lo aos amigos[5]. Para o colecionador Fábio Santoro, o editor de uma publicação independente pode ou não aspirar alto: “Fazer a sua mensagem chegar às mãos dos poucos interessados por mero idealismo, necessidade de dar sua parcela de contribuição ou vaidade pura; outros desejam crescer, batalhar pela tiragem cada vez maior junto ao público, obter uma crescente penetração, rumo à popularidade”[6]. Dessa forma, a tiragem do fanzine também vai depender da intenção do editor com relação a seu produto.

Referências

Clubedelho, n° 18. Portimão, Portugal: abril de 1990.
DÂMASO, Valdir. Entrevista a Marco Muller. In Mutação, n° 8. São José do Norte, RS: janeiro de 1988.
GUIMARÃES, Edgard. In Psiu, n° 2. Brasópolis (MG): agosto de 1985.
MAGALHÃES, Henrique. O rebuliço apaixonante dos fanzines. Série Quiosque, 27, 2a. ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2011.
SANTORO, Fábio. Panorama atual das publicações brasileiras independentes. In Jornal da Gibizada, n° 14. Maceió: novembro/dezembro de 1986.
SILVA, Cesar Ricardo Tomaz da. In Opinião, n° 5. Porto Alegre: junho/julho de 1988.
SOUZA, Worney Almeida de. Os bastidores dos fanzines. Entre­vista concedida a Henrique MAGALHÃES. In Marca de Fantasia, n° 3. São Paulo/Paraíba: dezembro de 1985, p. 11-18.

Notas

[1]. In Clubedelho n° 18. Portimão, Portugal: abril de 1990, p. 7.

[2]. Edgard GUIMARÃES. In Psiu, n° 2. Brasópolis, MG: agosto de 1985, p. 57.

[3]. Cesar Ricardo Tomaz da SILVA. In Opinião, n° 5. Porto Alegre: junho/julho de 1988, p. 11.

[4]. Worney Almeida de SOUZA. Os bastidores dos fanzines. Entre­vista concedida a Henrique MAGALHÃES. In Marca de Fantasia, n° 3. São Paulo/Paraíba: dezembro de 1985, p. 11-18.

[5]. Valdir DÂMASO. Entrevista a Marco Muller. In Mutação, n° 8. São José do Norte, RS: janeiro de 1988, p. 42 e 43.

[6]. Fábio SANTORO. Panorama atual das publicações brasileiras independentes. In Jornal da Gibizada, n° 14. Maceió:, novembro/dezembro de 1986, p. 3-7.

Texto: Elementos do fanzine-texto
Slides: Elementos do fanzine-slides

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Minizine

Os fanzines gozam de toda a liberdade que possibilita o descompromisso com o mercado editorial. Fanzine não visa o lucro, não tem por meta a superação progressiva do público cada vez maior e diversificado. Cada editor é um mundo e o fanzine é a representação de sua idiossincrasia. Nesse universo particular e personalizado encontra-se a passionalidade pelo objeto de culto ou mesmo o interesse em opinar sobre algum tema específico, em geral ligado a arte.

A troca de informações é primordial e a experimentação gráfico-textual quase que uma característica indissociável da edição do fanzine. Nesse aspecto encontra-se a expressão artística personificada em poemas, ilustrações e quadrinhos, o próprio projeto gráfico e visual como a expressão de certa visão estética e espacial do editor. Para alguns, mesmo o formato faz parte dessa ciranda criativa, cujas experimentações proporcionam soluções que se aproximam do origami, as formas lúdicas das dobraduras de papel.

É temerário classificar os fanzines em gêneros e formas. Mesmo o termo fanzine tem se reinventado constantemente, perdendo o significado de magazine de fã e para fã, para chamar-se apenas zine, epíteto a representar uma cultura jovem, mutante, inventiva e insubmissa aos condicionantes estruturais. Como classificar, então, os fanzines em seu aspecto formal, entendendo-se aí o tamanho, o número de páginas, o sentido da apresentação? Não são poucos os fanzines que não seguem padrão nenhum, não só em relação a outros títulos do gênero como dentro de sua própria série de publicação.

Na diversidade estética dos fanzines, alguns chamam atenção. Motivados pela necessidade urgente de comunicação, que leva em conta a expressão da mais latente pessoalidade, os “minizines” despontam como as mais despretensiosas publicações, circulando quase anônimas e aleatórias. Os “minizines” – e aqui arriscamos uma classificação, ainda que na heterogeneidade – são pequenas publicações em fotocópias, de baixíssimo custo e tiragens quase confidenciais.

É como se fosse um capricho, uma vaidade, uma vontade de se fazer presente e ouvido – ou lido – seja por quem for, uma forma de sair do anonimato mantendo-se de todo modo praticamente anônimo. Afinal, não é mostrar-se que importa, mas semear ideias e inquietações.

O “minizine” define-se evidentemente pelo formato. Muitas vezes não passa de uma folha A4 impressa dos dois lados, mas não se trata de um panfleto, trata-se por vezes de um folder, que tira proveito das dobras que sugerem o direcionamento da leitura. Dobrando-se uma folha uma, duas, várias vezes, obtém-se uma publicação com formas inventivas de abertura, de desenho, de composição e de leitura, que vão dar o diferencial a esse tipo de fanzine.

A diagramação do “minizine”, com toda sua carga de criação, exige um planejamento complexo, com textos e imagens que se dispõem em vários sentidos, para proporcionar a leitura lógica e fluente. É um exercício de expressão textual e imagética e, sobretudo, de design na concepção do produto editorial.

Ainda que o “minizine” conte com duas ou três folhas dobradas e grampeadas como uma revista convencional, seu formato reduzido é um diferencial a encantar a maioria dos leitores, que veem nesse tipo de publicação um objeto-arte, quase um brinquedo, um jogo manipulável pleno de caminhos e prováveis descobertas. Nesse aspecto o fanzine adquire um potencial lírico que transcende a qualquer objetividade da comunicação.

Henrique Magalhães

minizine-textoMinizine-slides

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Fanzine – Definição

A origem dos fanzines traz a imprecisão própria às coisas efêmeras e espontâneas, quando não se tem um propósito fundante de um novo tipo de publicação. Para R. C. Nascimento (1988), articulista do fanzine Singular/Plural, o fanzine surgiu na década de 1930, nos Estados Unidos, com as publicações amadoras de ficção científica, no entanto, esta denominação só foi criada em 1941, por Russ Chauvenet. Pensou-se também numa palavra como fanmag, a partir de fan e magazine, que não teve a mesma aceitação.

É bem provável que boletins amadores dedicados a essa expressão literária, então considerada como um subgênero, circulassem entre seus fãs mais ardorosos, mesmo com toda a dificuldade de produção e impressão. O boletim também serviria, além do contato interpessoal e da veiculação de notícias, ao exercício de criação de novos autores, alijados do mercado editorial.

Contudo, há certo consenso sobre o pioneirismo de Russ Chauvenet na criação do termo fanzine. Segundo vários blogs e fanzines, em 1940 Chauvenet foi um dos fundadores do Boston`s the Stranger Club, cujos membros eram convidados de honra da 47th World Science Fiction Convention. Ele foi ainda cofundador da National Fantasy Fan Federation e era membro do primeiro Fandom. Teria sido Russ Chauvenet o criador da palavra fanzine, na edição de outubro de seu boletim Detours. Mais tarde, criaria o termo prozine, para denominar as revistas profissionais que veiculavam histórias de ficção científica. Por muitos anos, Chauvenet foi membro do Fantasy Amateur Press Association (FAPA)[1].

O termo fanzine é um neologismo formado pela contração de fanatic e magazine, do inglês, que significa magazine do fã. Trata-se de uma publicação independente e amadora, quase sempre de pequena tiragem, impressa em mimeógrafo, fotocopiadora, impressora laser ou mesmo em offset. Para sua edição, conta-se com fãs individuais, grupos, associações ou fã-clubes de determinada arte, personagem, personalidade, hobby ou gênero de expressão artística, para um público dirigido, podendo abordar um único ou vários temas.

Criado no meio independente e restrito dos aficionados, o termo fanzine ganhou força no país no final da década de 1970 e foi incorporado à língua portuguesa, sendo utilizado também em textos jornalísticos. Nos anos de 1980 expandiu-se ainda mais e tornou-se verbete em enciclopédias, dicionários, catálogos e fichários das bibliotecas. Para a grande imprensa, os fanzines são jornais amadores, impressos em fotocópias a partir de uma matriz datilografada e composta artesanalmente, e que, se a princípio tratavam apenas dos ídolos do mundo da música punk e do rock, à medida que se proliferam, ampliam seu leque de temas[2].

O colecionador Fábio Santoro (1986) considera os fanzines como veículos livres de qualquer censura. Neles seus autores divulgam o que querem, pois não estão preocupados com grandes tiragens nem com lucro; portanto sem as amarras do mercado editorial e de vendagens crescentes.

Uma das características mais importantes dos fanzines é que seus editores se encarregam de todo o processo de produção. Desde a concepção da ideia até a coleta de informações, a diagramação, a composição, a ilustração, a montagem, a paginação, a divulgação, a distribuição e venda, tudo passa pelo domínio do editor. Em muitos casos, até mesmo a impressão é feita pelo editor, que aprende a lidar com o produto jornalístico de uma forma global. O controle de todo o processo editorial, embora exija mais tempo e habilidade, dá ao editor maior liberdade de criação e execução da ideia.

A edição de um fanzine, sem dúvida, é uma atividade prazerosa, mas exige também muito trabalho e dedicação. Por este motivo, os fanzines são comumente esporádicos, quase sempre variam o número de páginas e a tiragem, que depende do fluxo e demanda de seu público. Não existem regras para a produção do fanzine; ele depende da disponibilidade de tempo, do material a ser editado, do orçamento e da dedicação do editor.

A falta de periodicidade dos fanzines os torna publicações efêmeras; a maioria deles não consegue estabelecer uma concepção editorial clara que lhe proporcione o fortalecimento e amadurecimento da publicação. Uma das razões para essa inconstância é seu caráter amador, seus editores não sobrevivem da edição. Os fanzines são uma atividade paralela, dentro do pouco tempo livre que lhes sobra. As dificuldades de encontrar novas informações, os custos sempre crescentes e o considerável trabalho que é organizar uma nova edição são também fatores responsáveis pela demora e, não raro, pela extinção de mui­tos fanzines.

A circulação por intermédio de um sistema de troca e venda pela via postal é muito favorável aos fanzines. Por este meio eles cheguem não só a todas as partes do país como também atinjam outros lugares do mundo.

Numa edição de final de ano, Armando Sgarbi (1984), editor do fanzine O Pica-Pau, apresenta uma curiosa inversão do conceito, definindo fanzine como sendo “um magazine personalizado, com as coisas do agrado do editor que, eventualmente altruísta, o divulga entre os amigos (quando a grana dá, coisa rara). O Natal é, desde o ad­vento da comercialização desbragada, um verbete dos mais execráveis, a meu ver, daí que a gente fazendo uma publicação sobre tal assunto só poderia chamá-la de desfanzine (…)”.

Muitos termos surgiram derivados de fanzine, em particular nos Estados Unidos da América. Adaptando-os à língua portuguesa, temos: fandom é o nome dado ao conjunto dos fanzines e dos faneditores; faneditor é o sujeito responsável pela edição do fanzine; fanzinoteca passou a ser uma coleção de fanzines. Amazines é como são chamados os fanzines voltados para as histórias em quadrinhos de super-heróis ou terror. Profanzines são as publicações feitas por profissionais de histórias em quadrinhos, parecidas com as revistas especializa­das. Por outro lado, os adzines são os que publicam listas de coleções de quadrinhos para venda ou troca[3].

Para muitos editores e leitores há, na verdade, muita divergência na definição do que é fanzine, embora, de forma intuitiva, todos saibam que estão fazendo ou lendo um produto diferente de uma revista comercial. Como afirma o quadrinista Joacy Jamys (1987), não importa o conteúdo apresentado, a forma de impressão ou a qualidade profissional, o fanzine não passa de uma re­vista marginal.

E é justamente a partir dessa concepção de marginalidade que alguns editores e leitores discutem o conceito de fanzine. Eles procuram encontrar um termo comum que caracterize o que é realmente um fanzine. A dúvida é se o fanzine tem uma identidade própria ou pode vir a ser qualquer revista alternativa ou independente.

Fanzine x revista alternativa

Com a disseminação do termo, há quem considere fanzine qualquer publicação alternativa ligada a arte. Para isto, basta que ela seja independente (editada fora do mercado), circule pelos correios ou de mão em mão e trate de assuntos de pouco interesse para a imprensa comercial.

Em Brusque, SC, Luis e Cláudia Bia editaram o tabloide Contracorrente, que em outros tempos seria classificado como imprensa alternativa ou jornal nanico, mas era mesmo chamado de fanzine. O certo é que Contracorrente tinha todas as características de um fanzine: veiculava essencialmente artigos, informações sobre rock, ecologia, quadrinhos, literatura, arte-postal e uma coluna de comentários sobre fanzines. Este é um caso típico de imprensa alternativa especializada, que proliferou no início da década de 1980, e que apresentava muitas características dos fanzines[4].

O termo fanzine foi assimilado pela música brasileira em 1989. Nesse ano, o grupo de rock Hanoi Hanoi jogou nas rádios seu protesto contra a sociedade massificada, numa apologia ao anarquismo, pregando que as palavras de rebeldia deviam ser impressas em “fanzines de papel xerox”. A música Fanzine, de A. Brandão e T. Paes, diz que um dia as palavras não vão mais deslizar pela boca, mas circular pelos fanzines, como a “nova onda, novo papo, novo abc”.

Outro exemplo da utilização do termo foi sua veiculação em letras garrafais como título da revista da casa noturna paulistana Madame Satã, em meados da década de 1980. Assim como os frequentadores da casa, a revista Fanzine, de excelente qualidade gráfica, representava a vanguarda dos costumes e da moda da sociedade local. Fanzine misturava ilustrações e artigos sobre música, quadrinhos e personalidades, tudo numa linguagem pretensiosa e arrogante.

A utilização do termo fanzine como título da revista não deixar de soar estranho, assim como um jornal que se chamasse simplesmente Jornal, mas tinha o charme da novidade. Fanzine, da casa Madame Satã, serviu ao menos para a difusão desse termo entre um público alheio ao que se passava na imprensa subterrânea, ou alternativa.

O conceito de fanzine apresenta-se com­plexo no que toca a sua abrangência e limites. Assim como revista alternativa, ou de forma mais ampla, imprensa alternativa, gerou inúmeras definições a partir de diferentes pontos de vista, a mesma dificuldade encontra-se na definição de fanzine, já que não existe consenso nem mesmo entre os editores desse tipo de publicação.

É certo considerarmos fanzine como imprensa alternativa: sua produção é independente, sua linguagem discursiva e gráfica procura ser inovadora e apresenta conteúdo, quando não contestador, ao menos voltado para assuntos pouco abordados pela grande imprensa. O editor Worney Almeida de Souza (1987), em entrevista ao autor, afirma que “é nos fanzines que circulam as informações que os aficionados por quadrinhos, música, poesia, não encontram nas revistas, nos livros e nos jornais institucionalizados”.

Outros editores já consideram o fanzine como uma publicação independente, mas não alternativa. Ela seria independente do meio comercial, da imprensa empresarial voltada para o lucro, mas não seria uma alternativa a esta, porque não estaria lhe fazendo concorrência nas bancas de revistas.

O maior problema é definir fanzine como gênero ou categoria de publicação. O fanzine, por vezes, confunde-se com as revistas alternativas pelo modo de produção, pela forma de circulação e pela apresentação. Mas, diferencia-se destas pelo conteúdo.

O fanzine apresenta-se como um boletim, veículo essencialmente in­formativo, como órgão de fã-clubes ou de aficionados. Ou seja, a matéria prima do fanzine é a informação, na forma de artigo, entrevista, notícia ou matéria jornalística.

Na revista alternativa encontramos a produção artística propriamente dita: contos, poesias, ilustrações, quadrinhos etc. A partir dessa concepção, o fanzine é o veículo da notícia, dos comentários, da reflexão e a revista é o portfólio, que apresenta os novos artistas e veicula trabalhos que não encontram espaço nas publicações comerciais.

Para citar um exemplo relativo aos quadrinhos, nos anos 1970 tivemos o lançamento de várias publicações alternativas, como Balão e Capa, que veiculavam charges e quadrinhos sem apresentar quase nenhuma matéria textual. Para Worney de Souza (1987), “a apresentação delas pode ser que pareça um fanzine, mas é uma revista alternativa. No caso dessas revistas, elas têm um encaixe histórico determinado. Naquele tempo, havia jovens desenhistas amadores ou semiprofissionalizados que não tinham es­paço para publicar, então a única alternativa era, através do centro acadêmico, imprimir o material que não conseguiam publicar nas grandes editoras. Eram revistas alternativas, onde existem muito poucos artigos falando sobre quadrinhos, ou quase nada. Na verdade, era uma forma de iniciarem a profissionalização”.

Alguns fanzines vão buscar na imprensa comercial a matéria-prima para sua edição. São o que poderíamos chamar de dossiês, uma vez que divulgam tudo o que já foi publicado, por exemplo, sobre determinado autor ou personagem de quadrinhos. Worney de Souza (1987) reforça que “nestes casos, já não seriam nem fanzines, porque apenas se reproduz o que a grande imprensa fez, não se está produzindo nada, é um álbum de recortes… A forma é fanzine, mas o conteúdo não”.

Contudo, se a mera cópia do que já foi publicado pela grande imprensa descaracteriza o fanzine como veículo original, é por meio desse tipo de publicação que muitos leitores espalhados pelo país tomam conhecimento dessas informações. Nesse caso, o fanzine tem o papel de preservar a memória de fatos e opiniões publicados, numa espécie de dossiê que a grande imprensa não tem interesse em fazer.

Da mesma forma que há pontos de ligação entre a imprensa alternativa e a grande imprensa, encontramos pontos de convergência entre os fanzines e as re­vistas da imprensa comercial, ou mesmo entre os fanzines e as revistas alternativas. A discussão se resume na constatação de que tanto os fanzines apresentam elementos das revistas (produção artística) como as revistas trazem elementos dos fanzines (matérias jornalísticas). O conteúdo, o objetivo, a forma de produção e o espaço maior ou menor dado a esses elementos é que vão determinar o caráter da publicação.

Henrique Magalhães

Referências

Grilo n° 24. São Paulo: 21 de março de 1972.

http://en.wikipedia.org/wiki/Russ_Chauvenet, em 06/03/12.

JAMYS, Joacy. O que é mesmo um fanzine? In Legenda n° 14. São Luís: agosto 1987.

Maudito fanzine. In Animal n° 2. São Paulo: s/d.

NASCIMENTO, R. C. Afinal, o que é fanzine? In Singular/Plural n° 3. São Luís: outubro 1988.

Novas notícias no xerox. In Istoé. São Paulo: 16 de setembro de 1987.

SANTORO, Fábio. Panorama atual das publicações brasileiras independentes. In Jornal da Gibizada n° 14. Maceió: novembro/dezembro de 1986.

SGARBI, Armando. In O Pica-Pau, edição de fim de ano. Rio de Janeiro: dezembro 1984.

SOUZA, Worney Almeida de. Entrevista com Henrique MAGA­LHÃES. São Paulo, 10 de dezembro de 1987.

Notas

[1] . http://en.wikipedia.org/wiki/Russ_Chauvenet, em 06/03/12.

[2]. Novas notícias no xerox. In Istoé. São Paulo: 16 de setembro de 1987, p.42.

[3]. In Grilo n° 24. São Paulo: 21 de março de 1972.

[4]. Maudito fanzine. In Animal n° 2. São Paulo: s/d, p.34.

Arquivos digitais: Fanzine-definiçãoFanzine-definição-slides

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Fanzines & HQtrônicas

Programa da disciplina

Professor: Henrique Magalhães
Período: 2016.1
Código: 1414081
Créditos: 4 (60 horas/aula)
Horário: Terça-feira/quinta-feira, 8h40-10h20

Ementa

Os fanzines como mídia independente; gêneros de fanzines e sua diversidade expressiva; a mutação dos fanzines para as mídias digitais: os e-zines; HQtrônicas: Histórias em Quadrinhos em mídias digitais, projetos em mídias digitais.

Objetivos

Definir fanzine e explorar suas diversas formas de apresentação e modos de produção; analisar as Histórias em Quadrinhos digitais.
Traçar a trajetória dos fanzines com ênfase na produção nacional.
Apresentar o fanzine como forma de comunicação dirigida, independente e autoral que possibilita a liberdade de expressão e intermediação comunitária.
Mostrar a diversidade expressiva do fanzine em sua apresentação gráfica e textual.
Estimular o processo criativo e a produção de fanzine impresso e digital.
Propor o estudo sobre adaptações das Histórias em Quadrinhos para os meios digitais observando o conceito de HQtrônicas e outros processos experimentais.

Metodologia

Aulas expositivas com apresentação audiovisual (slide, vídeo). Leitura e análise de textos complementares ao conteúdo programático. Produção textual e editorial de fanzines impressos e eletrônicos.

Habilidades e competências

Pretende-se desenvolver a capacidade de planejamento e realização editorial com ênfase na criação de texto, projetos gráficos, composição, editoração e montagem de publicações. A adaptação da mídia impressa para a digital, suas possibilidades e dificuldades serão postas em questão para a resolução dos alunos. Processos de pós-produção: divulgação e circulação da publicação.

Avaliação

Serão aplicados três exercícios para avaliação, um no final de cada unidade. Cada exercício valerá até 10 pontos, sendo a nota final a média dos três. O primeiro exercício será individual, os demais serão em dupla ou grupo de até quatro pessoas.
Exercício 1 (individual): Edição de um “biograficzine”: publicação voltada para si, sua vivência e afinidades pessoais e culturais.
Exercício 2 (dupla ou grupo): Edição de fanzine de ao menos 16 páginas no formato A5. Estratégia de difusão.
Exercício 3 (dupla ou grupo): Adaptação do fanzine impresso para o formato digital.

Programa

Unidade 1
Apresentação e discussão do programa. Definição e origem de fanzine. Desenvolvimento dos fanzines no Brasil. Revistas alternativas. Expansão e crise dos fanzines. Perspectivas dos fanzines e sua produção atual. Biograficzine.

Unidade 2
Gêneros de fanzine. Expressões gráfico-textuais do fanzine. Modo de produção: a escolha do sujeito; formas de impressão (mimeógrafo, fotocópia, impressão à laser); projeto gráfico; editoração; manufatura e acabamento; estratégias de difusão.

Unidade 3
Ezine: definição. Adaptação do fanzine impresso para o ezine utilizando os recursos das mídias digitais. A linguagem da História em Quadrinhos. HQtrônicas: a obra de Edgar Franco. Charge e cartum animados. Outras experimentações com quadrinhos digitais.

Referências

AZEVEDO DA FONSECA, André e VARGAS, Raul Hernando Osório. O uso do fanzine como estímulo à produção de texto jornalístico. Disponível em http://www.fnpj.org.br/soac/ocs/viewpaper.php?id=509&cf=18, acessado em 17/12/10.
BARREIROS, Bruna Provazi. A Revolução (ainda) não será virtualizada: os fanzines feministas na Era da Comunicação Digital. Disponível em
http://www.petfacom.ufjf.br/wordpress/arquivos/artigos/revolucaonaovirtualizada.pdf, acessado em 17/12/10.
BUSANELLO, William de Lima. Fanzine como obra de arte: da subversão ao caos. Série Quiosque, 40. Marca de Fantasia, 2015. 60p.
FRANCO, Edgar Silveira. HQtrônicas: do suporte papel à rede Internet. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2004.
GONÇALO Junior. O inventor do fanzine: um perfil de Edson Rontani. Série Quiosque, 41. Marca de Fantasia, 2015. 112p.
GUIMARÃES, Edgard. Fanzine. Série Quiosque, 2, 3ª ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2005.
GUNDERLOY, Mike. How to publish a fanzine. Port Townsend, Washington: Loompanics Unilimited, 1988.
LUIZ, Lúcio. A expansão da cultura participatória no ciberespaço: fanzines, fan fictions, fan films e a “cultura de fã”. Disponível em http://www.cencib.org/simposioabciber/PDFs/CC/Lucio%20Luiz.pdf. Acessado em 17/12/10.
MAGALHÃES, Henrique. A mutação radical dos fanzines. Série Quiosque n. 9. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2005.
MAGALHÃES, Henrique. A nova onda dos fanzines. Série Quiosque n. 7. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2004.
MAGALHÃES, Henrique. O rebuliço apaixonante dos fanzines. Série Quiosque, 27, 3a ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2013.
MOTTA. Rodrigo Leôncio. Metodologia de Design aplicada à concepção de Histórias em Quadrinhos Digitais. Recife: Programa de Pós-Graduação em Design da UFPE. 2012. Dissertação em pdf.
MUNIZ, Cellina. Fanzines: autoria, subjetividade e invenção de si. Fortaleza: Edições UFC. 2010.
OLIVEIRA, Antônio Carlos de. Os fanzines contam uma história sobre punks. São Paulo: Editora Achiamé, 2006.
SANTOS NETO, Elydio dos. Os quadrinhos poético-filosóficos de Edgar Franco: textos, HQs e entrevistas. Série Quadrinhos Poético-filosóficos, n. 1. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2012.
SANTOS NETO, Elydio dos & PAULO DA SILVA, Marta Regina (orgs.) Histórias em Quadrinhos e Educação: formação e prática docente. São Bernardo do Campo, SP: Umesp, 2011.
SANTOS. Rodrigo Otávio dos. Webcomics malvados: tecnologia e interação nos quadrinhos de André Dahmer. Curitiba: Programa de Pós-Graduação em Tecnologia da UFPR. 2010. Dissertação em pdf.
PINTO, Renato Donizete. Fanzine na Educação: algumas experiências em sala de aula. Série Quiosque, 29. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2013.
SNO, Márcio. O universo paralelo dos zines. São Paulo: Editora Timo, 2015, 120p.
UTESCHER, Douglas & LEANDRO, Márcio. 1o Anuário de Fanzines, Zines e Publicações Alternativas. São Paulo: Ugra Press, 2011.
UTESCHER, Douglas. 2ADFZPA – 2o anuário de fanzines, zines e publicações alternativas. São Paulo: Ugra Press, abril de 2012.
UTESCHER, Douglas. 3ADFZPA – Terceiro anuário de fanzines, zines e publicações alternativas. São Paulo: Ugra Press, 2013.

Outras referências
ANDRAUS, Gazy. O fanzine de HQ, importante veículo de comunicação alternativa imagético-informacional: sua gênese e seus gêneros (e a influência do mangá). In Cultura pop japonesa. São Paulo: Hedra, 2005.
http://bibliotecadefanzines.blogspot.com/
http://esputinique.wordpress.com/
http://www.fanzinada.com.br/
http://www.fanzinotecamutacao.blogspot.com/
http://www.mediafire.com/?yamuq6bbo73xcbb (1o. Anuário de Fanzines, Zines e Publicações Alternativas)
http://ugrapress.wordpress.com/
http://zinescopio.wordpress.com/
http://zinismo.blogspot.com/

* Programa em arquivo pdf: FHQt-programa 2016.1

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Editoração e publicação de ebooks na Amazon

Filipe Almeida, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB, tem colaborado com a disciplina “Fanzines & HQtrônicas” do Curso de Comunicação em Mídias Digitais, dessa instituição. Filipe participa como prática de seu estágio docência, requisito para a realização de seu Mestrado; destaca-se também como professor da UFPB Virtual e professor do IBDIN (Instituto Brasileiro de Desenho Instrucional).

No dia 2 de junho de 2014 Filipe apresentou o conteúdo “Editoração e publicação de ebooks na Amazon” em forma de tutorial acompanhado pelos alunos. O resultado foi um exercício de editoração de um ebook com a formatação para o site Amazon, gerando o conhecimento necessário para que os alunos venham a disponibilizar na loja virtual suas futuras produções de livros, fanzines e revistas em quadrinhos virtuais.

A seguir, colocamos à disposição os arquivos pdf com as instruções fornecidas por Filipe.

Unidade IIUnidade IIIUnidade IV

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Dos zines aos biograficzines

Dos zines aos biograficzines:
narrativas visuais no processo de formação continuada de docentes-pesquisadores

Gazy Andraus;
Elydio dos Santos Neto

O biograficzine é um fanzine (do inglês fanatic + magazine : revista do fã) que tem por objeto as histórias de vida: contar experiências de vida e formação tendo como objetivos principais o autoconhecimento, a partilha de narrativas pessoais com outros, o trabalho com as imagens e o desenvolvimento de autoralidade. Esta experiência foivivida no Mestrado em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, com a participação dos autores deste texto. A experiência ocorreu em dois semestres: a primeira vez, no primeiro semestre de 2008, no Seminário Temático “Formação de Educadores, narrativas autobiográficas e histórias em quadrinhos”; a segunda vez, no primeiro semestre de 2009, no Seminário Temático “Cultura Visual e Formação de Educadores: um estudo a partir das histórias em quadrinhos”.

O ponto de partida da experiência foi a consideração de que houve um tempo em que se acreditava que para formar bem um professor/a era suficiente o domínio intelectual do conteúdo que ele/a iria ministrar além, é claro, do conhecimento de algumas técnicas didáticas. De fato, durante um tempo em que as relações educativas estiveram marcadas pela formalidade e, em muitos casos, pela atitude burocrática tanto do professor/a como dos alunos/as, talvez isso tenha sido suficiente, mas hoje, com certeza, embora sejam saberes muito importantes não são, contudo, suficientes.

Vivemos um tempo em que está mais claro, para nós professores/as, que a construção do conhecimento se faz no contexto da relação pedagógica, isto é, no encontro entre o professor/a como pessoa e os/as alunos/as como pessoas. E como desenvolver capacidade dialogal, escuta sensível, autonomia e autoralidade sem autoconhecimento? Sem rever, nas raízes da própria trajetória formativa, as tendências educativas que estabeleceram as bases da postura de hoje? Sem partilhar estas experiências com outros/as colegas e, na troca, aprender com o/a outro/a? Estas foram as nossas primeiras motivações que nos levaram à experiência com o biograficzine, que nasceu dos fanzines.

Os fanzines têm uma história longa que vai das actas diurnas romanas, passando pelos menestréis e bardos medievais, trabalhos do artista, do século XVIII, William Blake, bem como as cartas lidas e copiadas no Renascimento, encontrando os primórdios dos jornais e, por fim, chegando a criação de jornais, revistas e fotocopiadoras que baratearam e facilitaram esse desenvolvimento, até culminar nos fanzines (ou zines), mídias paratópicas  e revistas temáticas independentes extremamente diversificadas e criativas.

Como já dissemos anteriormente, o biograficzine é um fanzine que une as duas necessidades formativas que destacamos acima. Retomar a trajetória formativa pessoal, com a provocação da pergunta: Como me tornei o ser humano profissional que sou hoje? E partilhar, utilizando imagens e a linguagem das histórias em quadrinhos, muito presente nos zines, a reflexão sobre a própria trajetória com outras pessoas envolvidas no mesmo tipo de processo formativo.

Como foi desenvolvido num ambiente de mestrado em educação, foi necessário estar atento àquilo que são objetivos deste segmento formativo: a formação do pesquisador na área da educação e o aperfeiçoamento de sua ação como docente do ensino superior. Para isso encontramos em Antonio Nóvoa (1988), Christine Josso (1988) Franco Ferrarotti (1988) e Paulo Freire (1982) elementos teóricos que nos guiaram no trabalho com histórias de vida e formação.

Para atender a todas estas necessidades o trabalho foi organizado por etapas ao longo das quais foi sendo construída, de maneira crítica e reflexiva, a trajetória formativa e foi sendo elaborado o biograficzine: uma narrativa visual sobre a experiência formativa dos mestrandos no formato de um fanzine muito específico, pois notadamente autobiográfico.

Oficinas, mostras, diálogos em torno da fanzinagem, dos quadrinhos e, depois, a mão na massa mediante as tarefas de criar um roteiro, desenhar, recortar figuras, fazer colagens, compor a própria narrativa foram algumas das atividades que ocuparam os mestrandos após os estudos teóricos sobre as histórias de vida e formação.

Helena: fanzines como expressão biográfica
Helena: fanzines como expressão biográfica

Escolhemos o biograficzine resultante da oficina “Helena em: E a história continua… Sempre!”, de Maria Helena Negreiros e José Luis O. Junior, seja por conta da qualidade das imagens elaboradas para narrar a experiência de Helena como professora, seja por conta da profundidade contida na conjugação imagem-texto, própria da linguagem dos quadrinhos.

A ilustração da capa do biograficzine já é, por si só, uma imagem e uma metáfora muito interessante da profissão professor/a: Helena se equilibra sobre uma pilha de livros e, ainda, equilibra três pratos girando sobre varetas em cada uma das mãos e em um de seus pés. A imagem sugere a tensão, o esforço, o cansaço, o empenho permanente de equilíbrio para manter-se como professor/a. Será possível suportar isso o tempo todo?

De fato, na primeira página da narrativa de Helena, ela já aparece no chão com os pratos quebrados, os livros espalhados e com a experiência de “exercitar a tristeza, o medo, a insegurança e porque não, o cansaço negado por tanto tempo”. A narrativa sugere que é um momento de crise que exige retomar a própria história para tentar compreender, se possível, o que está sendo vivido. E assim Helena começa uma viagem imagética que se inicia em Mossoró, no Rio Grande do Norte e chega a São Paulo, passando pelas escolas em que estudou, pela formatura até ver-se frente ao desafio de subir as escadas do campo da educação… Equilibrando pratos. No caminho uma surpresa: o poder/político – representado por um homem careca, de óculos escuros e que fuma charutos – lhe oferece um tapete mágico. A possibilidade de voar, mas sempre com muito que fazer: “Nos seus registros, família, nem sempre em primeiro plano, viagens, sonhos, medos, congressos, fóruns, seminários, defesas, retratações…”. E, de repente, quando a equilibrista de pratos está sendo admirada e aplaudida, acontece uma nova surpresa: o poder/político puxa-lhe o tapete. “O tapete era uma concessão, com tempo marcado para terminar, independentemente de minha dedicação… o vôo acabou! BUUUUUMMMMM!” Helena no chão… Aos cacos.

A narrativa termina com Helena juntando, com uma vassoura, os próprios cacos. E diz, talvez sob inspiração de Walter Benjamin que afirma que as crianças constroem história a partir do lixo da história: “Sorriso no rosto, força nas mãos e coragem na alma! A história continua… Sempre!”.

O biograficzine de Helena nos parece um exemplo de como a narrativa visual pode servir não apenas aos processos de elaboração integradora das experiências vividas no campo profissional, no exigente caminho de profissionalização da carreira docente, mas também para retomar, de maneira expressivamente estético-prática, na formação continuada de professores, que “é impossível separar o eu pessoal do eu profissional”. Neste sentido a cultura visual emerge como um horizonte rico e interessante para a formação de docentes-pesquisadores, horizonte que, nos parece, precisa ser melhor considerado e explorado no referido campo.

Referências

ANDRAUS, Gazy. A independente escrita-imagética caótico-organizacional dos fanzines: para uma leitura/feitura autoral criativa e pluriforme. Trabalho apresentado ao Eixo 14 – Escritas, Imagens e Criação: Diferir no 17º. COLE. Campinas, julho de 2009.

FERRAROTTI, F. Sobre a autonomia do método biográfico. In: NÓVOA, A. & FINGER, M. (Orgs.) O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa, Ministério da Saúde, 1988. p.17-33.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 11ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

JOSSO, C. Da formação do sujeito… ao sujeito da formação. In: NÓVOA, A. & FINGER, M. (Orgs.) O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa, Ministério da Saúde, 1988. p.35-49.

MAGALHÃES, Henrique. O que é fanzine. São Paulo: Brasiliense, 1993.

RAINE, Kathleen. William Blake. London: Thames & Hudson, 1970.

SANTOS NETO, Elydio dos. Reinvenção do educador, visualidade e fanzinagem.RevistaDebates em Educação Vol. 2, No. 3 (2010), Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal de Alagoas. http://www.seer.ufal.br/index.php/debateseducacao. Acesso em 29/04/2011.

ZAVAM, A. S. Fanzine: A Plurivalência Paratópica.  Revista Linguagem em (Dis)curso. v. 5, n. 1, jul./dez., 2004. http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0601/01.htm <acesso em agosto de 2005>.

Publicado na revista Imaginário! n. 1. João Pessoa: Marca de Fantasia, outubro de 2011, p.47-57.
……….
Apresentação em slides: Biograficzine-slides

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Biograficzine: fanzine pode ser ainda mais pessoal

H. Magalhães

Biograficzine n. 2, de Elydio dos Santos Neto

Biograficzine n. 2, de Elydio dos Santos Neto

De sua origem nos Estados Unidos da América na década de 1930, com as publicações de ficção científica, os fanzines, ou magazines do fã, se espalharam pelo mundo e ganharam outros temas, como poesia, história em quadrinhos, literatura, cinema, artes visuais e música. Apesar de essas publicações impressas terem perdido um pouco do fôlego produtivo nos últimos anos por causa das mídias digitais, ainda surgem propostas inovadoras que enriquecem seu universo temático. É o caso doBiograficzine, de Elydio dos Santos Neto.

Todo fanzine tem, em sua essência, algo de pessoal, visto que o que prevalece é a visão do próprio editor ante a expectativa de seu público. Com o fanzine biográfico, como o de Elydio, há um verdadeiro pleonasmo conceitual, mas também um transbordamento da capacidade do editor de olhar para seu universo e abri-lo ao seu público. É essa a proposição do Biograficzine, que tem como subtítulo “Histórias de vida, arte, HQ e Educação”. Com seu fanzine, Elydio apresenta um pouco de sua história a partir das descobertas que fez com as HQ, interligando-as aos conceitos filosóficos de Freud, Jung e Grof.

Elydio se aventura na utilização da linguagem das histórias em quadrinhos para passar seu conhecimento sobre as teorias psicológicas que tem estudado, de forma didática e fundamental. Em paralelo, apresenta algumas HQ de cunho poético-filosófico que ilustram como as teorias podem ser aplicadas nas HQ. Após as histórias em quadrinhos, Elydio volta à fundamentação, mostrando como as teorias foram utilizadas nas HQ.

Trabalho essencialmente didático, mas nem um pouco enfadonho, o Biograficzine de Elydio surgiu em 2008, proposto como experiência acadêmica aos alunos do Mestrado em Educação na Universidade Metodista de São Paulo, com o auxílio do quadrinista Gazy Andraus. Os número “zero” e 1 saíram em 2008 e 2009. Com esse número 2, referente ao segundo semestre de 2012, Elydio amadurece a proposta do fanzine, que se torna, ele mesmo, um excelente recurso pedagógico.

Artigo publicado no jornal A União. João Pessoa: 9 de outubro de 2012, 2o Caderno, p.7.

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Minizine, maxinvenção

Henrique Magalhães

Os fanzines gozam de toda a liberdade que possibilita o descompromisso com o mercado editorial. Fanzine não visa o lucro, não tem por meta a superação progressiva do público cada vez maior e diversificado. Cada editor é um mundo e o fanzine é a representação de sua idiossincrasia. Nesse universo particular e personalizado encontra-se a passionalidade pelo objeto de culto ou mesmo o interesse em opinar sobre algum tema específico, em geral ligado a arte.

Jornal da Paixão, pensamentos poéticos

Jornal da Paixão, pensamentos poéticos

A troca de informações é primordial e a experimentação gráfico-textual quase que uma característica indissociável da edição do fanzine. Nesse aspecto encontra-se a expressão artística personificada em poemas, ilustrações e quadrinhos, o próprio projeto gráfico e visual como a expressão de certa visão estética e espacial do editor. Para alguns, mesmo o formato faz parte dessa ciranda criativa, cujas experimentações proporcionam soluções que se aproximam do origami, as formas lúdicas das dobraduras de papel.

É temerário classificar os fanzines em gêneros e formas. Mesmo o termo fanzine tem se reinventado constantemente, perdendo o significado de magazine de fã e para fã, para chamar-se apenas zine, epíteto a representar uma cultura jovem, mutante, inventiva e insubmissa aos condicionantes estruturais. Como classificar, então, os fanzines em seu aspecto formal, entendendo-se aí o tamanho, o número de páginas, o sentido da apresentação? Não são poucos os fanzines que não seguem padrão nenhum, não só em relação a outros títulos do gênero como dentro de sua própria série de publicação.

Benzine, quadrinhos independentes

Benzine, quadrinhos independentes

Na diversidade estética dos fanzines, alguns nos chamam a atenção. Motivados pela necessidade urgente de comunicação, que leva em conta a expressão da mais latente pessoalidade, os “minizines” despontam como as mais despretensiosas publicações, circulando quase anônimas e aleatórias. Os “minizines” – e aqui arriscamos uma classificação, ainda que na heterogeneidade – são pequenas publicações em fotocópias, de baixíssimo custo e tiragens quase confidenciais.

É como se fosse um capricho, uma vaidade, uma vontade de se fazer presente e ouvido – ou lido –seja por quem for, uma forma de sair do anonimato mantendo-se de todo modo praticamente anônimo. Afinal, não é mostrar-se que importa, mas semear ideias e inquietações.

O “minizine” define-se evidentemente pelo formato. Muitas vezes não passa de uma folha A4 impressa dos dois lados, mas não se trata de um panfleto, trata-se por vezes de um folder, que tira proveito das dobras que sugerem o direcionamento da leitura. Dobrando-se uma folha uma, duas, várias vezes, obtém-se uma publicação com formas inventivas de abertura, de desenho, de composição e de leitura, que vão dar o diferencial a esse tipo de fanzine.

Cotidiano fantástico, de Marcelo Soares e Megaron Xavier

Cotidiano fantástico, de Marcelo Soares e Megaron Xavier

A diagramação do “minizine”, com toda sua carga de criação, exige um planejamento complexo, com textos e imagens que se disporão em vários sentidos, para proporcionar a leitura lógica e fluente. É um exercício de expressão textual e imagética e, sobretudo, de design na concepção do produto editorial.

Ainda que o “minizine” conte com duas ou três folhas dobradas e grampeadas como uma revista convencional, seu formato reduzido é um diferencial a encantar a maioria dos leitores, que veem nesse tipo de publicação um objeto-arte, quase um brinquedo, um jogo manipulável pleno de caminhos e prováveis descobertas. Nesse aspecto o fanzine adquire um potencial lírico que transcende a qualquer objetividade da comunicação.

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Baixe o arquivo de texto e os slides em pdf: minizine-textoMinizine-slides

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