Elementos do fanzine

Henrique Magalhães 

O fanzine muitas vezes se caracteriza pela informalidade, pelo modo espontâneo e pessoal com o qual se expressa o editor. Dessa maneira, a primeira ideia que se tem ao se folhear um fanzine é que, por sua simplicidade, qual­quer pessoa pode fazer o seu, bastando para isso ter interesse, ser fanático por alguma arte ou hobby ou ter guardada uma coleção de gibis. Na verdade, é isso mesmo: o processo de produção de um fanzine depende só da boa vontade de seu editor. Mas, se aparentemente é muito fácil fazer um fanzine, a produção de um fanzine mais elaborado exige muita dedicação e uma razoável compreensão do processo editorial, que envolve várias etapas, desde a coleta do material até a divulgação e distribuição.

Por realizar um trabalho tão personalizado, o editor de fanzine acaba por dominar todas as etapas de produção: juntar seus artigos e os de colaboradores, digitar os textos, digitalizar as ilustrações ou reproduzi-las em fotocopiadora, diagramar, paginar, imprimir, intercalar as folhas, grampear, divulgar e distribuir. Quando o fanzine resulta de um trabalho de grupo, de modo geral não há divisão rígida de tarefas, como nas publicações comerciais. No grupo, é comum que todos dominem as várias fases da produção. E aqui não falamos dos pequenos folhetos, que acabam sendo a maior parte dessas publicações, mas dos fanzines que se assemelham, no aspecto gráfico e editorial, às revistas especializadas profissionais.

Apesar de serem publicações amadoras e de alcance restrito, algumas referências são muito importantes para identificar o fanzine, como o nome dos responsáveis, o número, a data, o endereço, a lista dos colaboradores. Pode-se acrescentar ainda o tipo de impressão e o número de exemplares. Esses dados são essenciais quando se têm os fanzines como fonte de pesquisa e documentação. Como lembra Fernando Vieira, seus responsáveis tenham consciência ou não, cada fanzine que sai é um documento e, como tal, convém personalizar suas características[1].

Escolha do tema

O primeiro passo para se fazer um fanzine é escolher o assunto que se quer abordar: música, quadrinhos, cinema, ficção científica etc. Dentro do tema escolhido, convém definir o enfoque a ser trabalhado. Para os quadrinhos, pode-se trabalhar com autores brasileiros, super-herói, humor, série, personagem ou vários ao mesmo tempo. Como a edição não tem fins lucrativos, cujo objetivo é a troca de informações e a ampliação do universo de estudo, é importante escolher um gênero pelo qual se tenha verdadeiro interesse, de modo que não seja um sacrifício o tempo e o dinheiro empregados em sua elaboração.

É importante que se tenha domínio sobre o assunto escolhido e acesso a informação. Se o gênero que se vai trabalhar é nostalgia dos quadrinhos, uma boa coleção de revistas antigas torna-se imprescindível, bem como o conheci­mento sobre as publicações que circularam em décadas passa­das. Em geral, os que buscam esse gênero são aqueles que viveram o período em estudo, dando aos fanzines o tom emocional que os tem caracterizado. É comum para os jovens editores trabalhar com os quadrinhos da atualidade, publicando a obra de novos artistas e fazendo a análise das publicações do mercado.

O público

O editor de fanzine estabelece a relação com seu público principalmente por intermédio da seção de cartas, mas também por meio da troca e venda de publicações. Boa parte do público é formada por editores de outros fanzines. Muitos trocam fanzines entre si, numa espécie de camaradagem própria ao meio. No entanto, esta prática tem se tornado cada vez mais rara devido à disparidade e irregularidade das publicações.

É comum que o leitor passe a ser também colaborador do fanzine, enviando material para ser publicado, como artigos, quadrinhos, poesias, contos, ilustrações. As co­laborações são gratuitas, visto que os fanzines não têm fins lucrativos e são um espaço para a divulgação de novos autores. Para o público, é importante saber que pode intervir no fanzine e é essa participação que dá muitas vezes vida à publicação. Dessa forma, é importante estimular os leitores solicitando o envio de cartas e todo tipo de colaboração.

A opinião do público será sempre um fator essencial na produção do fanzine. É muito gratificante saber que o fanzine está sendo apreciado pelos leitores. Para Edgard Guimarães, “esses leitores é que mantêm o ânimo dos editores para continuarem suas revistas. São uma parcela mínima da população, que valorizam os quadrinhos, especialmente os nacionais, e que, normalmente, são generosos nas apreciações que fazem de nosso trabalho”[2]. A seção de cartas dos fanzines é também o espaço de comunicação entre os leitores, onde as divergências de opinião podem, por vezes, gerar polêmicas estimulantes.

Formato

A maior parte dos fanzines tem seu formato condicionado ao pro­cesso de impressão. Como é comum o uso de fotocópias, os fanzines podem apresentar o formato ofício (21,6cm x 33cm), ou o meio-ofício (16,5cm x 21,6cm), com a folha dobrada ao meio; ou ainda o formato A4 (21×29,7cm) ou o formato A5 (14,8x21cm), com a folha dobrada ao meio. Em geral, eles são impressos no sentido vertical do papel, porém o prestigiado fanzine Historieta destacou-se também pela utilização do sentido horizontal. Alguns fanzines não apresentam formato fixo, variando a cada edição, cujo exemplo mais marcante foi O Pica-Pau.

A discussão sobre o formato atingiu, em particular, as editoras comerciais, que produziam a maior parte de suas publicações no questionado formatinho (13,5x19cm). A redução do formato original estadunidense para o formatinho trouxe muito prejuízo para a leitura visual dos quadrinhos contemporâneos, ricos em cores e de­talhes. Mas, para os fanzines, há quem defenda o formato meio-ofício por facilitar a intercalação, pelo alinhamento que o grampo, colocado no meio da folha, dá à publicação e pela facilidade de guardá-los. A principal razão alegada, no entanto, é a econômica.

Cesar Ricardo, do fanzine Hiperespaço, dá a receita: “produz-se as matrizes no tamanho ofício, faz-se a redução das páginas inteiras, monta-se duas a duas de acordo com a paginação e xeroca-se normal­mente; o custo de pré-produção sobe, mas o da cópia cai à metade. Se a tiragem for alta, vale a pena e não se perde texto. Se for baixa, fica o mesmo preço”[3].

Volume

O número de páginas do fanzine depende do tema escolhido, da quantidade de material disponível, do tempo livre do editor e do custo de produção. Há temas que rendem mais informações, como o voltado para a produção comercial de super-herói. Para este, o próprio mercado é uma fonte perene e inesgotável de informações, fornecendo desde relatos dos bastidores das criações até as especulações sobre o destino de determinados personagens ou grupos de heróis. A adaptação dos quadrinhos ao cinema também pode gerar muitas laudas de discussão. Para os temas que não oferecem um fluxo grande de informações, a saída para se ter um fanzine mais volumoso é aumentar o período de produção, estabelecendo uma periodicidade mais longa.

Alguns editores procuram fixar um número de páginas do fanzine, mas quase sempre aumentam ou reduzem a cota estipulada. Há casos em que são publica­dos verdadeiros álbuns, com dezenas de páginas, enquanto outros não passam de uma ou duas folhas. A maioria não alcança duas dúzias de páginas. Como tudo o mais nos fanzines, não há regra para o volume, depende de cada editor e de cada edição.

Periodicidade

Para qualquer publicação, a periodicidade é um elemento importante para garantir a fidelidade do público, seja profissional ou amadora, todavia, no que se refere aos fanzines, raramente ela é mantida. Com exceção dos fanzines de nostalgia, cuja regularidade é admirável, quase todos atrasam meses, ou anos, dando a impressão de que deixaram de existir.

Esse descompromisso com a periodicidade prejudica a continuidade editorial do fanzine. Cada nova edição acaba sendo um recomeço, em vez de seu desenvolvimento. Os que saem de forma periódica costumam faze-lo de três a quatro vezes ao ano, espaço de tempo suficiente para a elaboração de uma nova edição. Mas, como se trata de um empreendimento amador, onde não se há que seguir as regras do mercado, há certa complacência do público com instabilidade temporal do fanzine, que é compensada pela espontaneidade com que ele é feito.

Tiragem

A tiragem do fanzine pode variar de poucas dezenas de exemplares a centenas, de acordo com o número de leitores. O mais comum é que se tire 50 a 100 exemplares, mas alguns fanzines alcançaram tiragens bem maiores: Historieta, de Oscar Kern, chegou a sair com 2 mil exemplares; Notícias dos Quadrinhos, de Eduardo Ofeliano, começou com 3 mil exemplares e caiu para mil; a tiragem de Quadrix, de Worney de Souza, aumentou progressivamente – começou com duzentos e chegou a 450 exemplares[4].

Valdir Dâmaso, editor de Jornal da Gibizada, afirma que um fanzine pode ter apenas um exemplar, simplesmente para o deleite de seu criador e pela satisfação de mostrá-lo aos amigos[5]. Para o colecionador Fábio Santoro, o editor de uma publicação independente pode ou não aspirar alto: “Fazer a sua mensagem chegar às mãos dos poucos interessados por mero idealismo, necessidade de dar sua parcela de contribuição ou vaidade pura; outros desejam crescer, batalhar pela tiragem cada vez maior junto ao público, obter uma crescente penetração, rumo à popularidade”[6]. Dessa forma, a tiragem do fanzine também vai depender da intenção do editor com relação a seu produto.

Referências

Clubedelho, n° 18. Portimão, Portugal: abril de 1990.
DÂMASO, Valdir. Entrevista a Marco Muller. In Mutação, n° 8. São José do Norte, RS: janeiro de 1988.
GUIMARÃES, Edgard. In Psiu, n° 2. Brasópolis (MG): agosto de 1985.
MAGALHÃES, Henrique. O rebuliço apaixonante dos fanzines. Série Quiosque, 27, 2a. ed. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2011.
SANTORO, Fábio. Panorama atual das publicações brasileiras independentes. In Jornal da Gibizada, n° 14. Maceió: novembro/dezembro de 1986.
SILVA, Cesar Ricardo Tomaz da. In Opinião, n° 5. Porto Alegre: junho/julho de 1988.
SOUZA, Worney Almeida de. Os bastidores dos fanzines. Entre­vista concedida a Henrique MAGALHÃES. In Marca de Fantasia, n° 3. São Paulo/Paraíba: dezembro de 1985, p. 11-18.

Notas

[1]. In Clubedelho n° 18. Portimão, Portugal: abril de 1990, p. 7.

[2]. Edgard GUIMARÃES. In Psiu, n° 2. Brasópolis, MG: agosto de 1985, p. 57.

[3]. Cesar Ricardo Tomaz da SILVA. In Opinião, n° 5. Porto Alegre: junho/julho de 1988, p. 11.

[4]. Worney Almeida de SOUZA. Os bastidores dos fanzines. Entre­vista concedida a Henrique MAGALHÃES. In Marca de Fantasia, n° 3. São Paulo/Paraíba: dezembro de 1985, p. 11-18.

[5]. Valdir DÂMASO. Entrevista a Marco Muller. In Mutação, n° 8. São José do Norte, RS: janeiro de 1988, p. 42 e 43.

[6]. Fábio SANTORO. Panorama atual das publicações brasileiras independentes. In Jornal da Gibizada, n° 14. Maceió:, novembro/dezembro de 1986, p. 3-7.

Texto: Elementos do fanzine-texto
Slides: Elementos do fanzine-slides

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Sobre Henrique Magalhães

Jornalista, professor, editor e autor de História em Quadrinhos
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